ohira + bonilha – portfolio

Experimento Hauntológico | mostra individual – out~nov.2023

Texto de apresentação por Júlia Coelho

A Galeria Marcelo Guarnieri tem o prazer de apresentar, entre 07 de outubro e 11 de novembro de 2023, “Experimento Hauntológico”, primeira exposição de Luciana Ohira e Sergio Bonilha em nosso endereço de São Paulo. A mostra reúne três trabalhos realizados entre os anos de 2016 e 2023, “Hipótese Volátil”, “Efeito Lichtenberg” e “Objeto Hauntológico”. As obras integram a investigação da dupla de artistas sobre a agência dos espectros, sejam eles fenômenos invisíveis, mídias analógicas, produções culturais marginalizadas ou sistemas políticos falidos. “Experimento Hauntológico” se apoia nos escritos sobre o realismo capitalista e o conceito de “Hauntology” ou “Assombrologia” apresentados ao longo dos anos 2000 pelo filósofo e teórico cultural britânico Mark Fisher. O autor partia de uma análise sobre o surgimento do ciberespaço e da cultura musical produzida a partir dos anos 2000 para estabelecer relações entre uma frustração intergeracional e coletiva com o sistema do capitalismo tardio e uma certa nostalgia pela corporalidade das mídias. Por meio de suas presenças materiais e caráter portátil, os objetos, vídeos, instalações e estojos reunidos em  “Experimento Hauntológico” propõem uma experiência crítica ao presente, invocando dinâmicas e temporalidades paralelas ao ritmo acelerado do regime neoliberal.

“Hipótese Volátil” surge de um encontro dos artistas Luciana Ohira e Sergio Bonilha com registros em vídeo de voos de aeromodelos F1D e se desenvolve como uma investigação sobre os porquês de seu lento e duradouro voo. Os F1D são aeromodelos construídos em madeira balsa e microfilme artesanal, cuja propulsão depende de uma fina tira de elástico, sua velocidade costuma ser inferior a 1 m/seg. e, dependendo do espaço onde ocorra o lançamento, um voo pode durar até 50 minutos. A partir do encantamento por esse planeio “flotante”, Ohira e Bonilha se aproximam do aeromodelismo para estabelecer relações entre a prática aficionada e a prática artística, entendendo ambas como atividades de natureza fabular que produzem experiências estéticas e questionamentos filosóficos. A dupla investiga o caráter desacelerante desse tipo de aeromodelismo para pensá-lo como uma “antiperformance”, uma ação que se desenvolve pela “antieficiência” e que opera na contramão das exigências de nossa cultura neoliberal.

As hipóteses levantadas pelos artistas que dariam conta de explicar a duração de tal voo baseiam-se em teorias e relatos que divergem daqueles produzidos pela ciência hegemônica e considerariam não somente a importância do material e da artesania, como também a influência da interação entre observador, aeromodelo e entorno. Suas referências passeiam entre o “Livro dos Seres Imaginários” de Borges, os fenômenos paranormais e a matéria psi estudados por Hernani Guimarães, a interpretação da teoria quântica de Bohn e Hiley e as energias psicotrônicas apresentadas por Sheila Ostrander e Lynn Schroeder. “Hipótese Volátil” é formado por um exemplar do aeromodelo F1D construído pela dupla e um vídeo que registra o seu voo pelo espaço expositivo onde será exibido, neste caso, no próprio espaço da Galeria Marcelo Guarnieri. O monitor LCD é modificado pelos artistas e posicionado no mesmo ponto em que a câmera filmou a sala, produzindo uma espécie de acontecimento fantasmagórico do aeromodelo voando no espaço vazio.

Assim como “Hipótese Volátil”, “Efeito Lichtenberg” também existe a partir de uma relação direta com o local onde é exibido, podendo ser pensado como uma espécie de tradutor visual de fenômenos invisíveis que configuram o espaço. A obra é composta por um conjunto de 16 placas de madeira cujas superfícies são gravadas pela corrente elétrica proveniente de diferentes terminais elétricos que compõem a galeria e um estojo de madeira que armazena os materiais necessários para o funcionamento do dispositivo, como um transformador elétrico e componentes químicos. Os padrões gráficos que surgem das eletrogravações nunca são iguais, são desenhos de aparência fractal que ganham forma através de interações entre forças elétricas e condições materiais, podendo variar em um mesmo ambiente.

“Efeito Lichtenberg” surge a partir dos experimentos do físico alemão Georg Christoph Lichtenberg, que em 1777 percebe e investiga a existência de um padrão gráfico nos vestígios deixados por descargas elétricas em materiais com baixo coeficiente de condutividade, cuja aplicação ainda é preconizada para testes de resistência de materiais. Cientista dotado de um pensamento visual, Lichtenberg também foi o responsável por inventar o padrão do corte de papel no século 18, escolhendo aquela proporção que entre o lado maior e o lado menor resultaria na raiz quadrada de 2 (√2:1). É por essa razão que cada uma das 16 placas que compõem a obra de Ohira e Bonilha possui 14,8 x 42 cm, medidas que correspondem ao tamanho de duas folhas A5 na horizontal e que, quando juntas as 16 partes, alcançam o tamanho aproximado de uma folha A1, com 120 x 84 cm.

Em “Objeto Hauntológico” a dupla de artistas explora, através da dimensão sonora, as relações entre níveis de percepção e materialidade, gravando em um disco de vinil os padrões de suas impressões digitais. A instalação é formada por um toca discos Sony anos 80 e um sistema de alto falantes subwoofer que destacam os sons graves em sua reprodução, provocando uma sensação predominantemente tátil nos corpos das pessoas que ocupam o espaço da galeria. “Objeto Hauntológico” surge das leituras sobre o conceito de “Hauntology” apresentado pelo filósofo e teórico cultural britânico Mark Fisher em meados dos anos 2000. Fisher propunha uma visão crítica sobre o mundo pós-internet, onde a experiência estética passava a ser mediada pelo formato digital, gerando, simultaneamente, uma perda de conexão com a matéria e uma nostalgia por um passado recente dominado pelas mídias analógicas, como o vinil, a fita cassete e o CD. Segundo Fisher, entender esse fenômeno ajudaria a entender o crescente sentimento de insegurança que vinha surgindo nesse mundo sem fixidez e sem garantias do capitalismo tardio. Por meio da decodificação dos padrões gráficos das pontas dos dedos dos artistas em sons de baixa frequência, Ohira e Bonilha propõem um experimento hauntológico para apontar a qualidade material do disco de vinil de uma maneira exageradamente sensorial, imaginando que agora as suas mãos assumiriam uma existência sonora e poderiam tocar fisicamente os espectadores.

o naipe de ouros | instalação – ago./nov~2023

o naipe de ouros, 2023 – projetores de luz, filtros de cor e bandeira branca.

No tarot, o losango vermelho do naipe de ouros representa a vida material, o corpo e as condições para sua manutenção; em desequilíbrio, pode ser o oposto, excesso que impede ou perturba a vida.

Na bandeira nacional, a mesma forma losangular ocorre desde o Brasil Império; inicialmente, refere-se aos Habsburgos, depois, às riquezas do solo brasileiro.

Nos últimos anos, muitos têm dito que “nossa bandeira jamais será vermelha!”. Todavia, por síntese aditiva, ela já é; no amarelo da bandeira há R255 e G253.

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Obra apresentada no 48º SARP e no 27º Salão Anapolino.